Santa Maria - O Assalto



Excertos do "Protesto pelo apresamento do navio por um grupo de homens armados comandados por Henrique Galvão"

" - No dia oito de Fevereiro de mil novecentos e sessenta e um, a bordo do paquete português "SANTA MARIA", propriedade da Companhia Colonial de Navegação, do comando do Capitão Mário Simões Maia, reunido com os seus oficiais e principais da equipagem declarou:

- Sabem os presentes que no dia vinte e dois de Janeiro de mil novecentos e sessenta e um, cerca da uma hora e quarenta e cinco minutos, na latitude norte treze graus e vinte e um minutos e longitude oeste de Greenwich setenta graus e cinco minutos, encontrando-me deitado no camarote irrompeu por ele dentro a gritar por mim o marinheiro Belmiro da Silva Marques e logo a seguir o marinheiro Leonel dos Santos Leiria, ambos do serviço de leme na ponte, a dizerem que andavam ali alguns passageiros aos tiros e que já haviam ferido gravemente o terceiro Piloto João José Nascimento Costa e o praticante de Piloto João António Lopes de Sousa, que se encontravam na ponte a fazer o seu quarto de serviço da meia-noite às quatro horas da manhã . . .

. . . Ouvi então, nesta ligação, por um cruzamento de linhas, uma voz muito apagada que estava falando para qualquer lado e perguntei quem é que estava a falar, declinando a minha identidade; era afinal o Médico dos Serviços da Emigração Portuguesa, Cicero Campos Leite, que me disse ter sido atingido com um tiro, através da janela do seu camarote, que fica situado no tombadilho das baleeiras, a estibordo, quando tentava sair a porta para o corredor interior, e acrescentou que quem estava atacando o navio era o Capitão Henrique Galvão e muitos homens seus, armados, que já haviam ferido gravemente os oficiais de serviço na ponte, da qual se apoderaram, bem como da estação de T.S.F. e de todos os pontos vitais do navio . . .

. . . Querendo confirmar a verdade das informações acabadas de receber, telefonei então para a ponte de Comando e ouvi então, que uma voz estranha e imperiosa me respondia e perguntava quem eu era, e perguntando eu quem estava ao telefone, essa voz respondeu-me:

"Aqui fala o Capitão Henrique Galvão em nome do General Humberto Delgado, e fica avisado de que o navio está em nosso poder. Qualquer tentativa de resistência será prontamente esmagada sem qualquer benefício para a tripulação. Todos os pontos vitais do navio estão em nosso poder e aconselhamo-los a renderem-se, o que só lhes trará benefícios" . .

. . . Estando estes realmente armados, de capacetes de ferro e com toda a espécie de armas, metralhadoras, granadas de mão, etc., armados como os "Comandos" da última guerra, "Comandos do DRIL" como se intitularam, nada podíamos fazer . . .

. . . Pedi então ao senhor Capitão Galvão que me deixasse reunir os principais oficiais e da tripulação para lhes expor a situação e deliberarmos sobre o assunto, e que depois lhe comunicaria para a ponte, ao que ele acedeu . . .

. . . Reunidos no meu camarote, tive então conhecimento da gravidade da situação, conforme me iam contando os oficiais e tripulantes . . . chegando à triste realidade de que NADA podíamos fazer . . . foi resolvido, de comum acordo, rendermo-nos com a condição expressa de que repudiava-mos o acto de violência exercido sobre o navio, seu comandante, oficiais e tripulantes, de que não aderíamos à sua causa, e que só coagidos pela força continuaríamos a exercer as nossas funções . . .

. . . Henrique Galvão e os seus Chefes ofereceram-nos então três modalidades:

- 1ª. - Prisioneiros de guerra, com trabalhos forçados, prisão de tratamento adequado.
- 2ª. - Coagidos pela força das armas com liberdade relativa e vigiada.
- 3ª. - Aderir abertamente ao movimento,

Escolhemos claro está a segunda modalidade . . .

. . . Seguidamente, começamos a navegar a toda a força, com o rumo de oitenta e seis, que mais tarde corrigi para oitenta e três . . . rumo este para passar entre as ilhas de Martinica e Santa Lucia . . .

. . . No dia vinte e dois pelas sete horas e vinte minutos faleceu o terceiro Piloto João José Nascimento Costa . . . continuando o praticante de Piloto João António Lopes de Sousa em estado muito grave . . .

. . . no dia vinte e três de Janeiro pelas cinco e trinta, navegando o navio em direcção ao canal de Santa Lucia, pedimos mais uma vez a Souto Maior para o desembarcar em qualquer dessas ilhas (Santa Lucia ou Martinica) . . .

. . . Pelas sete horas e trinta e cinco minutos, já perto da Ilha de Santa Lucia, apareceram na ponte Galvão e Souto Maior a mandar alterar rumo para o porto de Castries (Santa Lucia) para desembarcar o ferido . . .

. . . Galvão concedeu ainda o desembarque do criado António José Pires, que sofria de uma hepatite e necessitava hospitalização urgente . . .

. . . A baleeira arriada foi a número três, a motor, visto que nos encontrava-mos a duas milhas de distância da terra, e esta largou da borda às oito horas e dez minutos, conduzindo, além do ferido e do doente, o segundo-comissário, Valentim José dos Reis, que a comandava, enfermeiro Carlos Alberto de Carvalho, Artífice António José Ferreira (ilegível), e os marinheiros José (ilegível) Vieira, Henrique Vigia Esgaio e Joaquim Piedade e Silva . . .

. . . No dia vinte e cinco de Janeiro, pelas dezassete horas e . . . quarenta e cinco minutos, fomos sobrevoados pelo primeiro avião americano que entrou em contacto, por fonia, com Galvão e lhe pediu para se dirigir a Porto Rico para desembarcar os passageiros e iniciar outras conversações . . .

. . . Galvão recusou e considerou a proposta um insulto, dizendo que seguia em direcção a Angola e acrescentou que aguardava a resposta a um telegrama que enviara para a ONU, e estava pronto a desembarcar os passageiros num porto neutro que lhe garantisse a posse do navio e a sua saída para o mar depois de abastecido . . .

. . . No dia vinte e seis de Janeiro fomos sobrevoados por um avião cerca das treze horas . . .

. . . Durante o dia vinte e sete fomos sobrevoados por diversos aviões . . .

. . . Durante os restantes dias desta odisseia, nunca mais os aviões nos deixaram . . .

. . . O Almirante Smith, em face da recusa de Galvão ir a Porto Rico, propunha então o porto de Belém . . .

. . . Dissemos a Galvão e Souto Maior que o porto de Belém não tinha condições para o reabastecimento do navio e o desembarque dos passageiros devido a calema que se fazia sentir, podia provocar a morte de alguns deles . . . que devido ao calado de vinte e oito pés, que lhe dissemos ter o "SANTA MARIA" nesse momento, não podia entrar nesse porto, como se verificou nas cartas e roteiros, que indicavam que navios com mais de vinte e dois pés não podiam ali entrar . . .

. . . Souto Maior, a quem a ideia de ir a Belém não agradava, auxiliou-me involuntariamente os meus desejos e disse a Galvão que eu tinha razão . . .

. . . Galvão concordou e telegrafou ao Almirante Smith a dizer que não aceitava o porto de Belém e propunha-lhe o porto do Recife . . ."

(fim da transcrição dos excertos)

No dia 2 de Fevereiro o "Santa Maria" fundeou no porto de Recife, no Brasil.

No dia seguinte Henrique Galvão e os seus homens entregaram-se às autoridades brasileiras, obtendo asilo político.

Os passageiros do "Santa Maria" foram transferidos para o "Vera Cruz" que os transportou até Lisboa, após escalar Tenerife, Funchal e Vigo.

O "Santa Maria" chegou a Lisboa no dia 16 de Fevereiro de 1961.

Vídeos disponibilizados pela RTP

Vídeo 1 - O Assalto ao Santa Maria

Vídeo 2 - O Assalto ao Santa Maria

Vídeo 3 - Declarações de Reboredo e Silva, sub-chefe do Estado Maior Naval

Vídeo 4 - Entrevistas realizadas no Brasil a alguns passageiros e tripulantes do navio

Vídeo 5 - Informações fornecidas pelas autoridades brasileiras

Vídeos disponibilizados pela British Pathé




Fotografias do arquivo da revista "LIFE"



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